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- Depois desta semana verdadeiramente mágica para o surf nacional e para Yolanda Hopkins, talvez sejam cada vez menos aqueles que nos bastidores duvidam das suas ambições de chegar ao circuito mundial feminino.
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A primeira letra é um Y. E o sobrenome é Hopkins, que vem da mãe, galesa. Também já foi Sequeira, que vem do pai, português. No ano em que se sagrou campeã nacional, em 2019, era esse o sobrenome escolhido. Mas as burocracias olímpicas fizeram com que voltasse à forma original: Yolanda Hopkins. Fora da esfera do surf talvez fossem poucos os que já tivessem ouvido o nome da surfista algarvia. Mas depois de Tóquio, todos já o devem ter decorado.
A estreia olímpica do surf era muito aguardada e Portugal soube estar à altura do momento, com o grande destaque a ser o 5.º posto de Yolanda, sobretudo depois de eliminar a atual número 2 mundial, a francesa Johanne Defay. Falhou as medalhas por muito pouco, mas atingiu uma notoriedade invulgar para uma modalidade que só agora chegou ao Olimpo. Desde os noticiários das principais televisões, às maiores rádios do país, já não falando nas notícias recorrentes nos sites desportivos e generalistas, e culminando com a primeira página dos desportivos. O nome de Yolanda ecoou por toda a parte.
Os mais distraídos podem pensar que Yolanda estava predestinada ao sucesso. No entanto, nada no percurso da surfista foi conseguido de forma fácil. Aliás, só mesmo uma confiança brutal nas suas capacidades e uma crença fora do comum a fizeram chegar até aqui, ficando à porta daquilo que seria uma estrondosa medalha em Tóquio’2020.
Yolanda Hopkins surgiu praticamente do nada no surf nacional, vindo de uma região com pouca tradição de competidores, sobretudo a nível feminino. E tornou-se num verdadeiro furacão que subiu a pulso, como quem sobe lanços de escadas de três em três degraus, contra todas, mas mesmos todas as perspetivas de quem a via crescer. Todas, menos as suas… E, felizmente, são essas que contam.
Estreou-se no principal circuito do surf nacional aos 15 anos, prestes a fazer 16, sem um currículo júnior que sustentasse essa aparição. Poucos a conheciam, mas Yolanda foi rapidamente apresentando o seu nome a todos no meio. Em 2014, no seu ano de estreia, conseguiu logo uma final à terceira etapa, terminando a temporada num prometedor 7.º posto. Contudo, apesar dos bons indicadores dentro de água, as reticências de quem via de fora eram muitas.
Em 2016 conseguiu o primeiro vice-título, em Ílhavo, e no ano seguinte terminou no 4.º posto do ranking, afirmando-se cada vez mais como um nome a ter em conta. O primeiro triunfo surgiu em 2018, na etapa de Cascais, com 20 anos. Se para muitos parecia tarde, para ela era apenas o acender do rastilho. E o barril de pólvora explodiu em 2019, quando venceu três das seis etapas do circuito nacional para se sagrar campeã nacional pela primeira vez. Nas outras três etapas fez segundo lugar, sendo sempre batida por Teresa Bonvalot, o que denota bem o momento que atravessava e a eficiência competitiva que já tinha.
É nessa altura que começam a surgir as primeiras afirmações fortes de Yolanda. Assume, sem rodeios, o objetivo de entrar na elite mundial, mesmo que do lado de fora muitos continuem a duvidar, sobretudo devido a questões técnicas relacionadas com o seu surf. A par da celebração a nível nacional, Hopkins iniciou o seu ataque aos pódios internacionais, vencendo uma etapa do WQS no Reino Unido e entrando definitivamente dentro do top 100 mundial – terminou essa temporada no 71.º posto.
Os que duvidavam de Yolanda, talvez pensassem que estava ali a atingir o seu máximo potencial. Mas aquela era só o início de uma caminhada que ainda promete durar e que, ano após ano, continua a surpreender tudo e todos. E se acham que Tóquio foi o pináculo de um trajeto ímpar no surf nacional, esperem por Paris, onde a prova de surf vai acontecer nos temidos tubos de Teahupoo, no Taiti. Mesmo ao jeito das ondas pesadas que tanto gosta e dos tubos que ousa dar como poucas.
Este contrarrelógio contra o tempo e contra as probabilidades que Yolanda Hopkins encetou há um par de anos tem ainda mais valor, percebendo que a mesma chegou até aqui com uma mão cheia de tudo e outra cheia de nada. De um lado os sonhos imensos e o crer inabalável que certamente não cabem apenas na palma de uma mão. Do outro os parcos apoios que se contam pelos dedos de uma mão. Aliás, em praticamente sete anos de carreira Yolanda nunca conheceu um patrocinador principal forte.
Só recentemente Yolanda conseguiu colorir o bico da prancha com uma marca, neste caso a Oslo. Marca que está a surgir aos poucos no meio do surf, mas que ainda está longe do poderio dos nomes mais fortes da indústria – como a Billabong que patrocinou Teresa, a Rip Curl que agora patrocina Teresa ou a Hurley, que apoia Carolina Mendes, e a Roxy que patrocina Kika Veselko. Yolanda nunca soube o que era ter alguém a amparar-lhe as costas e a financiar o seu sonho. Mas soube melhor que todas as adversárias que a fé move montanhas, ou neste caso mares.
Numa indústria onde é natural que as grandes marcas do meio ao final do dia estejam mais preocupadas com as peças de roupa que vendem do que necessariamente com os resultados desportivos, uma vez que além de patrocinadores de atletas são marcas de retalho e surfwear, a verdade é que ao longo dos últimos anos a tendência por procurar a surfistas mais esbelta tem aumentado, em detrimento da competidora mais letal. O lado físico ainda tem muito peso na indústria, o que acaba por prejudicar algumas carreiras.
Veja-se Johanne Defay, que competiu durante inúmeros anos sem patrocinador no circuito mundial, aguentando-se apenas com prize moneys, depois do seu antigo patrocinador lhe ter dito que não era suficientemente bonita… Só esse estigma enraizado no meio pode justificar o facto de uma surfista com o currículo de Yolanda nunca ter tido um patrocinador de renome. Nem por uma época, nem por um mês que fosse.
Em entrevista ao Beachcam, em 2019, após garantir o título, uma Yolanda emocionada abriu o jogo em relação aos desafios constantes que encontrou neste meio.
“Basicamente, consegui competir no estrangeiro com os prize-moneys que ganhei na Liga MEO Surf. Quase todas as despesas foram pagas com esse dinheiro. Tive uma ou outra ajuda, sobretudo da minha família, mas nada de extraordinário. Julgo que antigamente, como não estava tão focada, não merecia apoios tanto quanto acho que mereço agora. Sou a rapariga que aparece às 5 da manhã na praia para ir surfar e que mais vezes vai para dentro de água durante um dia. Faço mais exercício físico que qualquer uma e mesmo assim, mesmo que peça e envie currículos, as marcas não avançam e não querem apostar em mim. A única coisa que me falta é apoio financeiro. Que mais posso fazer? Estou a tentar fazer tudo o que posso para mostrar que vale a pena apoiarem-me”, frisou.
Sem apoios, foi a dupla criada com o técnico John Tranter que a ajudou a subir rumo ao topo. Além de treinador, o antigo competidor do WQS que se estabeleceu em São Torpes, acolheu Yolanda no seu surf camp. Ambos tornaram-se unha com carne e esse tém sido o segredo do sucesso. Como troco pelos ensinamentos passados, Yolanda também desempenha alguns trabalhos no Pig Dog Surf Camp, de Tranter.
“Sem ele, de certeza que não tinha conseguido ser campeã, nem vencer os campeonatos que já venci, tanto na Liga MEO como no WQS. Temos alguns problemas de dinheiro, porque sinto que não lhe posso pagar aquilo que ele merece pelo trabalho que desenvolve comigo. Ele faz um grande favor em ajudar-me. O John tem dificuldades como toda a gente, porque está a trabalhar e também precisa de dinheiro como sustento da família. Mas, apesar de me sentir em falta para com ele nesse aspeto, vamos até ao fim. Sinto que sem ele não conseguiria chegar aos objetivos”, referiu nessa mesma entrevista.
Curiosamente, a crítica à mentalidade não se pode reduzir apenas ao meio do surf, mas também ao desporto nacional no global. É certo que o apoio estatal é quase inexistente e acima de tudo ineficaz nas mais variadas modalidades, mas numa altura em que se repetem os discursos da falta de apoios, como acontece habitualmente de quatro em quatro anos, não deixa de ser curioso que um dos melhores resultados da comitiva nacional em Tóquio venha da atleta que garantidamente usufruiu de menos apoios para chegar onde chegou…
Depois desta semana verdadeiramente mágica para o surf nacional e para Yolanda Hopkins, talvez sejam cada vez menos aqueles que nos bastidores duvidam das suas ambições de chegar ao circuito mundial feminino. A surfista algarvia falhou a qualificação para as Challenger Series de apuramento para o CT 2022, mas depois dos resultados recentes pode muito bem receber convite. E caso isso aconteça, não se queiram apropriar do mérito que é só dela, da mente dela e da única pessoa que a apoiou verdadeiramente e a fez alimentar o sonho, o treinador e amigo John Tranter.
“Obviamente, que quando abdico de tudo, dou tudo de mim e as coisas não acontecem por causa de uns pontinhos começo a colocar tudo em causa… E depois uma pessoa qualquer que não abdica tanto como eu, tem uma vida muito mais fácil do que a minha, em termos de patrocínios e tudo, e passa o heat. Eu dou tudo e não tenho dinheiro. Quando dou o máximo e não sou valorizada por isso é algo que quebra a minha confiança. Nesse aspeto o John puxa muito pelo meu lado psicológico. Ajuda-me a ganhar a confiança que necessito e que já deveria ter automaticamente”, rematou, na altura, ainda longe de imaginar – ou talvez não - que iria conseguir chegar ao Olimpo.
A partir daqui nada será igual. Com ou sem novos apoios… Yolanda sabe que o céu é o limite. Foi ela própria que antes da competição garantiu que a sua história com o surf era de amor. E Portugal ganhou a sua própria história da Cinderela, que contornou todos os obstáculos para alcançar o seu amado príncipe. A técnica não é tudo. Não interessa a forma como calças o sapato. Interessa, sim, que o calces bem. Yolanda Hopkins sabia disso melhor que ninguém… O país inteiro, agora, também o sabe! E talvez a história não termine aqui…
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FonteRedação
