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- João Aranha fala-nos dos maiores desafios com que tem lidado, como por acaso, o financiamento da FPS
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Na Avenida Marginal, o termómetro do carro ultrapassa os 40 graus. A equipe do Jornal I chegou minutos depois, à praia de Carcavelos, onde fica sediada a Federação Portuguesa de Surf (FPS), para ir ao encontro de João Aranha, eleito presidente em 2013. Num escritório de sonho, a conversa começa obrigatoriamente pelo mais recente desafio imposto à FPS depois de o Comité Olímpico Internacional ter aprovado, em agosto passado, o surf como uma das cinco novas modalidades olímpicas, a par do basebol, karaté, skate e escalada, que têm estreia marcada para os próximos Jogos Olímpicos 2020, em Tóquio. Aos comandos da federação há cinco anos, João Aranha fala-nos dos maiores desafios com que tem lidado, caso do financiamento, e rapidamente, e apesar da paisagem, nos apercebemos de que nem tudo é um mar de rosas. Contudo, mostra-se orgulhoso pelo percurso feito até agora e acredita que a profissionalização da FPS é o caminho a seguir.
Já nos pode adiantar mais informações sobre o surf nos Jogos Olímpicos de 2020? Quantos portugueses vão marcar presença em Tóquio?
Não. Neste momento, o que sabemos é que serão 20 homens e 20 mulheres distribuídos geograficamente e consoante os critérios que vão ser definidos em setembro. À partida, o que sabemos é que a Qualificação é um misto entre WSL (World Surf League) empresa que organiza o surf profissional mundial, que detêm o campeonato mundial de surf (WCT), e a International Surfing Association, que organiza as provas de seleções mundiais, sendo a ISA quem conseguiu a integração do surf no panorama Olímpico. Neste momento temos a aposta na Teresa [Bonvalot] e no Frederico [Morais] como os dois elementos que integraram a primeira parte da equipa olímpica. Em princípio, o Vasco Ribeiro também estará com eles e, a partir daí, temos de perceber como é que isto vai funcionar até em termos de programação.
Como funciona todo o processo de preparação para os JO?
Neste momento temos os dois programas a serem negociados com o Comité Olímpico (CO), mas obviamente que só irão entrar em vigor a partir de janeiro. Na equipa olímpica, ainda não temos a certeza do número de atletas que a vão integrar. Acreditamos que poderá ir até três atletas homens e três mulheres, o que provavelmente não será o nosso caso, uma vez que não estamos na linha da frente. Na ISA estamos, somos vice-campeões pela terceira vez consecutiva, o que nos dá uma certa vantagem em relação aos outros países mas, ao mesmo tempo, no WCT temos apenas um atleta [Frederico Morais], e a Teresa [Bonvalot] talvez chegue lá este ano ou no próximo. Não sabemos muito bem como vai ser, estamos a antever um bocadinho o que podemos fazer. Estamos a gerar programas de captação de talentos e também o trabalho na área técnica de formação. No entanto, teremos de esperar que tudo isto se desenvolva. No fundo, só a partir de setembro/outubro é que saberemos mais alguma coisa, visto que é o deadline de negociação com o Comité Olímpico.
O skate, que a par do surf é uma das novas modalidades que vão ter competição nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020, estava integrado até há bem pouco tempo na Federação Portuguesa de Surf. O que aconteceu para ter ficado no controlo da Federação de Patinagem de Portugal (FPP)?
O que aconteceu foi aquilo a que nós chamamos um ato de pirataria! O atual presidente da Federação Portuguesa de Patinagem [Fernando Claro], como também é o vice-presidente da Federação Mundial de Roller Sports, aproveitou essa posição. Essa federação nunca nos respondeu. Nós fizemos um pedido de filiação há quase um ano e nunca obtivemos resposta. O processo foi engonhando. Tivemos advogados a escreverem cartas para a federação e nunca obtivemos resposta. Entretanto, o governo decidiu que ficaria assim [que o skate pertencia à FPP] e, na nossa perspetiva, o secretário de Estado tomou a decisão que lhe era mais fácil, que nós não consideramos correta. Mas enfim, está decidido e o skate agora está na patinagem, esperemos que se deem bem. No entanto, continuamos a acreditar que não tem muito a ver uma coisa com a outra.
A FPS já estava com programas distintos em relação às duas modalidades [surf e skate] olímpicas?
Já estávamos com programas em desenvolvimento. Íamos seguir com o circuito mundial de skate, que não existia há muitos anos na forma como o é agora; criámos também a parte do julgamento na área do skate, com a formação de juízes, e estávamos a fazer um esforço para que houvesse mais federados. Para ter uma ideia, quando pegámos na FPS [em 2013] havia 12 atletas federados no skate, e no ano passado subiu para 250 federados. Começámos a desenvolver o skate independentemente de ser ou não uma modalidade olímpica. Na altura, não fazíamos a menor ideia de que o viria a ser, foi uma surpresa.
Não há qualquer tipo de comunicação entre as duas federações [FPS e FPP]? Tem algum conhecimento do programa que está a ser desenvolvido para o skate?
Não faço a menor ideia do que se passa. Francamente, nós tivemos de voltar a centrar a nossa atividade nos desportos que temos, que já não são assim tão poucos [Surf, Bodyboard, Longboard, Bodysurf, Skimboard e Stand Up Paddle (SUP)].
Quando foi eleito presidente da Federação Portuguesa de Surf, em 2013, a federação perdeu o estatuto de utilidade pública desportiva (UPD). Por que razão é que isso aconteceu e qual é a importância desse estatuto num organismo como a FPS?
Sem esse estatuto, a federação basicamente perde o respeito do estatal e o seu financiamento. No nosso caso era cerca de 38% do orçamento anual, o que é grave. Na altura perdeu-se esse estatuto por falta de documentos que não tinham sido entregues e que tivemos de recuperar. É um processo burocrático muito complicado em termos de documentação. Por exemplo, este ano tivemos de renovar porque agora existem duas entidades: a Utilidade Pública (UP) e a Utilidade Pública Desportiva (UPD). Naquela altura, não tinha sido feita a renovação e o resultado foi que ficou em suspenso. O processo ficou parado uma série de meses o que, obviamente, bloqueia a tesouraria e o desenvolvimento normal da federação.
Quais são neste momento os apoios ou financiamentos da federação?
A FPS baseia-se apenas no investimento estatal e das quotizações pagas entre federados, escolas e clubes.
Quantos atletas federados há?
Cerca de 2600. É um crescimento de 60% relativamente a 2013.
E esse crescimento deve-se a quê?
Muito porque houve um desenvolvimento de circuitos regionais e nacionais. Temos também muito mais atletas jovens a praticar. O desenvolvimento do surf de lazer pouco ou nada tem a ver com o surf desportivo. O facto de haver 200 e tal mil praticantes de lazer não se traduz em mais ou menos federados. Os federados vêm consoante os campeonatos permitirem, ou não, ter mais atletas. Neste momento podemos dizer que quase todos os campeonatos têm grelha cheia. E fazer mais campeonatos torna-se inviável, uma vez que já temos sensivelmente 100 campeonatos por ano, cerca de dois por fim-de-semana, o que já é um exagero.
Acha que as pessoas continuam a ter dificuldade em olhar para o surf como um desporto de competição?
É um desporto muito individual, começa por aí. Todos nós, pelo menos da experiência que tenho, começámos porque era um desporto de lazer, essencialmente para nos divertirmos. A competição, como disse, tem uma elasticidade própria sobre o número de praticantes possíveis. Resultado: nós, agora, com cerca de 100 campeonatos, temos de ter um limite de competidores.
E como é feita essa seleção de quem vai ou não competir?
Por exemplo, no circuito nacional de surf, onde estão 64 atletas masculinos e 24 femininos, tem a ver com o ranking do ano anterior e com vagas deste ano, obviamente. Quando não têm ranking, é por ordem de chegada. As inscrições são feitas online e através do registo conseguimos saber quem se inscreveu primeiro, que passa a ter prioridade.
Qual o papel da FPS em provas como a de Peniche, em outubro, que contará para o circuito mundial?
Pouco ou nada. Divulgamos porque é um evento que nos interessa ter em Portugal, mas passa-nos muito à margem. Infelizmente, as competições a nível mundial são um bocado assim, passam muito à margem das respetivas federações. A WSL faz um bocadinho o que lhes apetece. Podia ser melhor? Podia. Podia ajudar mais o surf nacional? Podia. Bastante mais.
Quais foram os principais desafios com que se deparou nestes últimos cinco anos?
Em primeiro lugar foi a renovação da competição e, em segundo, a formação. Não havia curso de treinadores há muitos anos e agora já estamos no nível dois. A formação é essencial não só para o de-senvolvimento dos atletas como para a gestão das escolas de surf e para todo este mercado gigante que existe em torno do surf. Também tivemos de renovar bastante na área de julgamento em Portugal. Havia juízes suficientes, mas com o crescimento das provas deixou de haver e interessa renovar e ter mais elementos com uma nova visão de surf. Renovámos ainda os próprios desportos, como o caso do bodyboard, que conseguiu atrair mais atletas jovens. Neste momento, e apesar de estar a estagnar um pouco, é um desporto que se tem conseguido equilibrar. Por último, o maior problema que temos continua a ser a ligação com o Estado. Se dizem que a bandeira de Portugal é o surf e que geramos cerca de 600 milhões na economia, então acho que devia haver apoio à federação local, que é quem de-senvolve as escolas, é quem ajuda os hostéis e tenta ao máximo desenvolver o desporto português e, no fundo, esta parte da indústria das escolas, que é uma parte crítica do mercado.
E não há essa ajuda?
Zero. Há cinco anos que apresentamos projetos inovadores ao turismo, há cinco anos que somos chamados para reuniões para explicar o mesmo projeto, o que nos causa um grande transtorno e é uma perda de tempo. Torna-se um bocadinho estranho estar sempre a apresentar o mesmo projeto – com algumas alterações, obviamente, mas há cinco anos que apresentamos aquele projeto. Por exemplo, a segurança e etiqueta nas praias não mudou muito, mas nós continuamos a tentar. Também apresentámos um outro projeto relacionado com a área de certificação das escolas...
Quantas escolas de surf existem em Portugal?
Registadas na FPS, cerca de 200, mas o mercado tem cerca de 500 ou 600. Tudo isto é pouco controlado. Mas isso tem de passar pelas autoridades, não é pela FPS, nem nos passa pela cabeça. Tem de haver é fiscalização por parte da Polícia Marítima e da ASAE. No entanto, a Polícia Marítima tem noção do que tem de fiscalizar, e a ASAE, por vezes, faz perguntas que não têm cabimento nenhum numa escola de surf. Neste contexto está ainda um outro projeto que também já apresentámos: a criação de um balcão único entre a FPS e o turismo para as escolas de surf. Seria uma forma de haver uma interligação de informação que permitisse que, primeiro, as pessoas não perdessem tempo com documentos. Em segundo lugar, tem de haver uma gestão de informação entre as duas entidades, algo que também não existe. Só desde o mês de janeiro até agora [julho], já morreu uma série de gente nas praias por incumprimento de normas, aluguer de pranchas erradas, aulas que não eram aulas e uma série de outras coisas que não deviam ter acontecido. Essa tem sido a nossa luta, alertar as autoridades. Queremos profissionalizar ao máximo a FPS.
Como vê a progressão de um surfista em Portugal? O Frederico Morais, em janeiro deste ano, disse em entrevista ao i que não teria chegado onde chegou se não tivesse tido o apoio da família...
Eles têm é de ser bons. Dê por onde der. Têm de treinar muito e de se esforçar muito. O surf já não é aquilo que era no meu tempo, em que alguns chegavam ao circuito por acaso. Hoje em dia é um desporto de alta competição. Os melhores atletas treinam à séria; veja-se o caso do Vasco Ribeiro, que treina com o Saca [Tiago Pires] e tem uma equipa forte por trás dele. É assim que as coisas têm de funcionar. Quanto aos patrocínios, esses só vêm se o atleta for bom. Nem todos são Kelly Slaters nem vão ser. Há muito essa teoria de “o meu filho é melhor que o outro”, certos pais baralham um bocadinho as coisas e muitas vezes projetam os filhos em sonhos e expetativas que não são bons para a criança. O Kikas [Frederico Morais], obviamente, teve uma família incrível no desporto, logo aí teve uma escala por trás que não tinha nada a ver com qualquer tipo de atleta. O que é essencial hoje em dia é treinar, dedicar-se e ter talento, claro.
E por falar no Kikas, como tem acompanhado o primeiro ano dele no circuito mundial?
Está a ser brilhante. Está a ser um primeiro ano excelente. Tenho uma amizade muito grande pelo Kikas, conheço-o desde muito pequenino. Sempre vi a sua progressão com o Nuno [pai de Frederico Morais], desde que o começou a empurrar nas ondas [risos], e sempre foi um miúdo muito focado. Tal como o Vasco [Ribeiro]. Eu comparo-os muito. O Vasco não chegou tão depressa onde o Kikas chegou, mas são praticamente da mesma idade; portanto, se o Vasco chegar este ano, vai dar ao mesmo. Mas o Kikas já lá está [no circuito mundial] e está a fazer um trabalho incrível.
No feminino, a principal representante da bandeira portuguesa continua a ser Teresa Bonvalot...Ela está no WQS [Women’s Qualifying Series] e ganhou agora outra vez o Pro Junior Europeu, o que é muito bom. Mas se olharmos para trás dela, Portugal, neste momento, tem uma geração de miúdas muito boa. Temos a Mafalda Lopes, que foi campeã europeia, a Kika, que ficou em segundo lugar também no europeu, a Matilde Passarinho, que está a fazer muito bom surf. No surf feminino estamos mesmo muito bem. Há muitas miúdas com 12, 13 e 15 anos que estão a surfar incrivelmente, assim como vários miúdos também dessas idades.Vê então com bons olhos o atual panorama do surf português...
Está em franco crescimento. No entanto, não há sustentabilidade por parte das empresas nem um desenvolvimento das regras de segurança.
Quais são os principais objetivos da FPS a curto prazo?
Este ano é estabilizar um bocado a área das competições e perceber em que condições podemos entrar. Vamos, obviamente, apostar nos mundiais – o próximo será o mundial júnior, no Japão. É sempre um campeonato muito difícil. O ano passado foi terrível. Passámos de 6.o para 14.o lugar. Foi um acidente que não deveria ter acontecido com a equipa que tínhamos. Esperamos que agora no mundial júnior, no Japão, tenhamos um melhor resultado. Vamos ter de certeza. Esperamos é que seja um ótimo resultado. Em 2018, a prioridade serão obrigatoriamente os Jogos Olímpicos. Sabemos que não vai haver verba para tudo, portanto vamos ter de conseguir gerir ao máximo para perceber onde vamos apostar. Temos ainda novos projetos que estão um pouco no segredo dos deuses mas que vão surgir até ao final deste ano e, claro, o projeto de certificação das escolas, que é algo que pode mudar bastante o mercado nacional.
Notícia elaborada pelo Jornal I
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Fotografia: 24 Sapo
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